Basta uma latinha de cerveja para que algumas pessoas sintam os efeitos desagradáveis do álcool. Ao mesmo tempo, muita gente é capaz de beber a noite inteira e só começar a enrolar a fala, perder o equilíbrio e esquecer a autocrítica quando o bar já está fechando. Essas últimas, de acordo com a ciência, são as mais propensas a se viciar. Entender por que isso ocorre seria o primeiro passo para a busca de uma cura efetiva para o alcoolismo. A descoberta acaba de ser feita por uma equipe de pesquisadores da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, financiada pelo Instituto Nacional de Abuso de Álcool e Alcoolismo do país.
O segredo está em um dos cerca de 25 mil genes que compõem o organismo. Todo ser humano tem 23 pares de cromossomos — um herdado da mãe, e o outro, do pai. Em 12% da população, ocorre uma mutação no gene CYP2e1, que metaboliza o álcool no cérebro, e, em vez de duas cópias, essas pessoas têm apenas um cromossomo — ou, em alguns casos, três. Foi nesta variante que os cientistas encontraram a resposta para a questão sobre a tendência ao vício.
O principal autor do estudo, publicado nessa terça-feira na edição on-line da revista especializada Alcoolismo: pesquisa clínica e experimental, reconhece que muitos trabalhos anteriores já haviam feito uma ligação entre genética e alcoolismo. Ele afirma, porém, que desta vez os resultados são mais conclusivos. “Nossa descoberta identificou uma variação genética que tem uma participação na doença muito mais forte que as mutações dos outros genes já descritos”, diz o geneticista Kirk Wilhelmsen, Ph.D. e professor da Universidade da Carolina do Norte. “A única descoberta que se equipara à nossa é a de que algumas pessoas que reagem rapidamente à bebida têm mutações nas desidrogenases álcool e aldeído (tipos de enzima), o que faz com que não gostem de beber. A maior parte dos indivíduos que têm essa reação de aversão ao álcool são provenientes da Ásia”, explica.
De acordo com Wilhelmsen, em vez de pesquisar o mecanismo do alcoolismo, a equipe resolveu estudar o porquê de algumas pessoas desenvolverem o hábito de beber mais do que as outras quando começam a experimentar o álcool. “Por um estudo prévio, já sabíamos que indivíduos que têm um nível de resposta menor ao álcool na primeira vez em que bebem têm muito mais tendência de se tornar alcoólatras. E uma boa parte da razão de algumas pessoas serem mais sensíveis ao álcool é justamente a variante na CYP2e1”, diz.
Os testes
No estudo, a equipe avaliou mais de 100 pares de irmãos, na idade colegial, cujo pai ou mãe (ou mesmo ambos) eram alcoólatras. Primeiro, os participantes receberam uma mistura de álcool granulado com refrigerante, equivalente a três doses de bebida. Então, eles eram questionados em intervalos regulares como se sentiam: bêbados, normais, com sono ou sem sono. Depois, os cientistas analisaram uma região genética que, aparentemente, influencia a forma como os estudantes percebem o álcool. Essa região é a "casa" do CYP2e1, que fica alojado na ponta do cromossomo 10 e já é conhecido por sua associação com o alcoolismo.
Há tempos, o gene desperta o interesse dos pesquisadores, porque ele codifica uma enzima que é capaz de metabolizar o álcool. A maior parte da substância é metabolizada no corpo por outra enzima, a deidrogenase álcool, que trabalha no fígado. Já o CYP2e1 age diretamente no cérebro, gerando radicais livres, que danificam as células cerebrais, provocando os efeitos do álcool no organismo. “Descobrimos que uma versão específica do CYP2e1 faz as pessoas mais sensíveis ao álcool, e agora estamos estudando se isso se deve ao fato de a mutação fazer com que mais radicais livres sejam gerados”, diz Wilhelmsen. “Essa descoberta é interessante, porque descreve um mecanismo completamente diferente de como percebemos o álcool ao bebermos.”
Ele afirma que o modelo convencional basicamente diz que o álcool afeta a forma como os neurotransmissores (moléculas que se comunicam com os neurônios) fazem seu trabalho. “Mas nossa pesquisa sugere que isso é muito mais complexo”, garante. De acordo com o geneticista, sozinho, o CYP2e1 não pode determinar se um indivíduo vai se tornar alcoólatra, pois fatores comportamentais e ambientais têm um papel importante na doença. Mas, como as pessoas que têm a mutação genética, que pode ser detectada por um exame de DNA, ficam mais sensíveis ao álcool e tendem a evitá-lo, o entendimento desse mecanismo é uma forte promessa para o tratamento do alcoolismo. “Já existem drogas capazes de induzir o CYP2e1 a produzir mais enzimas, o que deixa as pessoas mais sensíveis ao álcool e menos propensas a beber muito. É possível, então, usar essas drogas para modificar o comportamento abusivo dos indivíduos”, explica Wilhelmsen.
Paloma Oliveto - Correio Braziliense
Publicação: 20/10/2010 08:00 - Estado de Minas
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